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domingo, 26 de agosto de 2012

Um exemplo de finanças



            Uma localidade foi cenário de um fato financeiro marcante que retrata facetas do espírito econômico e poupador de elementos da descendência teuto-brasileira.
      Dois solteiros, moradores do interior de uma pacata localidade rural, viveram uma existência essencialmente modesta. Eles, durante anos de labuta, foram acumulando divisas monetárias, pois mantinham a filosofia germânica de poupar na fartura com vistas de ter recursos nos infortúnios. Os rapazes conseguiram sobreviver primordialmente com o mínimo, no qual um certo conforto e bem-estar foi compreendido como luxo.
          Os frutos do trabalho continuamente sobraram do volume de gastos. Um certo dia, um dos moços veio a perecer, quando o sobrevivente, com vistas de não cair no desleixo e solidão, foi acolhido por um parente próximo. Alguma solidariedade cristão e familiar mantêm-se comum no meio colonial. A mudança, depois de décadas de vida, naquela casa e terra “herdade pelos ancestrais”, tornou-se necessária. Alguns moradores, como amigos e vizinhos, auxiliaram na tarefa da escassa mudança de bens, que restringiram-se a “meia dúzia de pertences”. Os ajudantes, depois de alguns minutos de labuta, deparam-se com dois enormes sacos, que pareciam avolumados de papel. O solteirão recomendou cuidados especiais, recomendou cuidado especial, quando atiçou a curiosidade geral.
      Os curiosos, de imediato, resolveram conferir o conteúdo dos invólucros, quando ficaram admiradíssimos com o cenário. Os papéis consistiam de notas de dinheiro que durante décadas foram acrescidas naqueles espaços. As notas, sobretudo em cruzeiros, encontravam-se com valores vencidos. As estimativas dão conta que, pelas somas da época, daria para comprar uma boa extensão de terras ou para a atualidade adquirir diversos veículos. Os ajudantes lamentaram profundamente o “leite derramado”.
       Os poupadores, centavos por centavos, foram juntando os ganhos na sua rígida mentalidade econômica. As pessoas abstiveram-se de investir na lavoura, privaram-se de farturas alimentares, renunciaram aos confortos... Um esforço e sacrifício em vão em função do descaso com a escalada inflacionária brasileira. O exemplo mostra o espírito poupador germânico, gosto acentuado pelo dinheiro, temores com o infortúnio do porvir... Eles sobreviveram com o mínimo com vistas de economizar o máximo.
A vida, em momentos, prega-nos peças esdrúxulas e interessantes.

Guido Lang
Jornal O Fato, número 1213, p.07
17 de março de 1998


Crédito da imagem: http://rj.quebarato.com.br/nova-iguacu/dinheiro-antigo-cruzeiros-cruzados-e-guaranies-varias-notas__4FC89C.html 


O crediário (indesejado)


            A compra a crédito, conhecido popularmente como “fiado”, constituiu-se ao longo da história, uma solicitação e prática rotineira que fez surgir inúmeros adágios e ditos. Os avisos, em decorrência, proliferam nos armazéns e bares, no qual os proprietários alertam sobre o problema e expressam o desejo de não efetuar o negócio. A questão parece acentuar-se nas periferias urbanas, nos quais encontra-se afixados maior número de provérbios. Os proprietários de estabelecimentos preferem não comercializar do que, no final do mês, “ver navios” e perder a amizade e o freguês.
            Encontra-se afixados, de maneira geral, essas expressões:
01.“Fiado só depois de amanhã”.
02. “Fiado nem rebolando”.
03. “Se vendo fiado, perco dinheiro; senão vendo, perco o amigo”.
04. “Fiado acima de noventa anos e acompanhado pelos pais”.
05. “Fiado somente quando o Brasil pagar todas as dívidas”.
06. “Fiado somente no dia trinta de fevereiro”.
07. “Fiado nem para o meu cunhado”.
08. “Fiado somente quando a galinha criar dente”.
09. “Pra vender fiado, não insista; fiado só vendo linguiça”.
10. “Fiado só vendo para a mulher do vizinho”.
11. “Fiado só para mulher desquitada do vizinho”.
12. “Fiado só quando o Sol nascer quadrado”.
13. “Fiado é coisa do Diabo”.
14. “Freguês educado não pede fiado”.
15. “Fiado é que nem barba, senão corta cresce”.
16. “Não peça fiado e responder-lhe-ei e saíras envergonhado”.
17. “Por causa de alguém, não vendo fiado para ninguém”.
18. “Se quiseres sendo meu amigo, não peças para vender fiado”.
19. “Fiado somente quando o olho piscar (afixado ao lado)”.
20. “Fiado é que nem jogo do bicho: só dá zebra”.
21. “Fiado somente quem paga na hora”.
22. “Vendo fiado somente para mulher de gago”.
23. “Vendo fiado somente para quem morrer atropelado”.
24. “Fiado somente com coisa que não existe”.
25. “Vendo fiado somente para quem provar que o PC (Paulo César Farias) é inocente”.
26. “Fiado é que nem droga vicia ou fiado é que nem doença contamina”.
27. “Fiado é brinquedo do Diabo e aqui não há inferno”.
28. “De tanto vender fiado, acabei ficando pelado”.
29. “Vender fiado me dá pena; dá pena tenho cuidado; por causa da pena não posso vender fiado”.


Guido Lang
Jornal O Fato (de Campo Bom-RS), número 777, p. 06
Julho de 1993

Publicado também no "Livro da Família", ano 1995, pág. 94