Translate

terça-feira, 30 de outubro de 2012

O espetáculo dos maçaricos



   A era dos açudes, nas propriedades coloniais, começou com a introdução das retrós. As máquinas descobriram um filão econômico (de serviços) na proporção de abrirem crateras.  Inúmeros lugares úmidos (olhos d’água), espalhados pelos lotes, depararam-se com a criação de reservatórios.
  O fato criou uma novidade: o advento de microclimas no interior das localidades. Os depósitos espalharam-se ao longo das baixadas e banhados. Tiveram uma função de abastecer animais (sobretudo o gado nos potreiros); criar peixes ao consumo familiar; complementar renda (com a comercialização de sobras); ornamentar e umedecer ambientes; possibilitar irrigações... As reservas maiores adquiriram funções de pesque-pague. Incentivos a mais ao turismo colonial (como opção de lazer para forasteiros e naturais).
   A abundância de água, de forma silenciosa e progressiva, criou novidades com a fauna e flora.  Espécies exóticas, de paragens distantes, foram achegando-se nestes espaços.  Aves desconhecidas, aos ambientes locais, afluíram em números reduzidos, porém cedo conheceram uma multiplicação e proliferação. Estas, através “dum trabalho de semeadura”, trouxeram o embrião de vegetais diversos (aos ambientes coloniais). As espécies, próprias aos ambientes úmidos, foram trazidas através das fezes e sementes grudadas (nos pés)...
    O ímpar espetáculo, nos locais das ilhas artificiais, relaciona-se aos maçaricos. A espécie, no alvorecer dos dias da primavera-verão, aflui às dezenas (com razão de pernoitar nestes ambientes). Advém de lugares distantes e remotos em vôos rasantes (a semelhança de avião a jato). Assentam-se em arbustos e árvores. A algazarra toma conta do ambiente. Projetam-se possibilidades de ninhos. Chama atenção, o cenário exclusivo, da natureza aos olhos dos expectadores. Criou-se, através do acúmulo de água, mais outra maravilha colonial. Soma-se as belezas dos cardumes, ares umedecidos (dos outrora ambientes secos), alaridos desconhecidos...
     O homem, criando novas realidades de exploração econômica, modifica ambientes e comportamentos. Água, em quaisquer espaços, mostra-se razão de muita natureza. Quem não sonha em ter algum recanto próprio para apreciar o espetáculo da vida e curtir a tranquilidade da existência? 

Guido Lang
Livro "Histórias das Colônias"
(Literatura Colonial Teuto-brasileira)

Crédito da imagem: http://www.avescatarinenses.com.br/ave.php?id=245 

Carta de um Imigrante Alemão


Rio de Janeiro, 20 de junho de 1824

     Caros cunhados e irmãos e irmãs!
    O céu nos trouxe para cá sãos e salvos. Aqui, não se poderia desejar coisa melhor. Todos nós estamos bem de saúde. De jeito algum me arrependo por ter ido embora de Gedern e do país de vocês. E fizemos uma boa viagem marítima. No que diz respeito à náusea, ela não traz perigo nenhum para ninguém. Tanto faz estar no mar ou no quarto. A gente só precisa acostumar-se. Tive um companheiro de Büdingen (situada a quase 40 km ao nordeste de Frankfurt). Ele me ajudou de todas as maneiras possíveis. Inclusive o papel em que lhes escrevo, ele o trouxe da Alemanha. Não aconteceu nenhum acidente.
    Caros cunhados e irmãos e irmãs, minha carta não basta e a folha de papel é pequena demais para relatar tudo. Nós estamos no céu. Na partida de Gedern eu estava muito preocupado. Mas Deus abençoou-me e me trouxe para cá (...)  Entre vocês as pessoas aspiram por dinheiro, mas entre nós, por uma vida longa. Quem está aqui neste céu não deseja retornar para vocês.
    Caros cunhados e irmãos da minha família, venham para cá, para junto de mim. Não se deixem dissuadir. (...) Caros cunhados e irmãos e irmãs (...) nós estamos no céu. Se quiserem passar tão bem como nós, venham e juntem-se a nós. No que diz respeito à religião, cada um pode permanecer com sua fé. Temos reformados (calvinistas), luteranos, católicos e judeus, em suma, pessoas de todas as religiões. Cada uma tem o seu clérigo. Recebi um lote de terra muito boa. Tenho muitos cavalos, mulas, faisões, gansos, patos, galinhas andando livremente no campo. Aqui consigo ganhar mais com a minha enxada do que na terra de vocês com um arado de quatro cavalos.
   Caros cunhados e irmãos e irmãs, venham para cá, ao céu, pois vocês estão no inferno. Quando alguém chega aqui, precisa requerer junto ao governo um passaporte. (...) Caros cunhados e irmãos e irmãs, escrevo-lhes de longe. Não devem deixar dissuadir-se e venham para cá, se tiverem pelo menos o dinheiro para a viagem para (o porto de) Hamburgo (na Alemanha). Aqui vocês não precisam de dinheiro. Estando uma vez aqui, vocês mesmos serão seu próprio valor. Aqui tem todas as plantas, sejam elas quais forem. O que aqui estamos dando ao nosso gado é melhor do que a comida de vocês. (...) Aqui há no depósito mais sacos cheios de dinheiro do que batatas entre vocês. Quando me fui embora de Gedern, recebi do judeu Wolf, um viático, inclusive quatro moedas de ouro. Esta eu as tenho ainda hoje e ganhei outras quatro. Podem perguntar ao prefeito de Gedern se é verdade. Há muitos cavalos, mulas, faisões, gansos, patos, galinhas. Cada um pode possuir quantos quiser. Entre nós não há nenhuma desordem, e, sim, grande ordem.
    Cunhados e irmãos e irmãs e todos os bons amigos, venham para cá! Não quero morrer bem-aventurado se não for verdade o que lhes escrevo. Vendam suas casas e bens pelo preço que conseguirem. (...) Quem exerce um ofício pode brincar com dinheiro. Pode viajar como quiser. (...) Aqui todo mundo vive bem. Caros cunhados, irmãos e irmãs, tragam junto o cunhado Georg Weber para que seja compensado de vez, se tiver pelo menos dinheiro (para a viagem) para Hamburgo. Se não o tiver, o emprestem o necessário; restitui-lo-ei. Não deixem ninguém para trás; tragam mulher e filhos e tudo junto. Com isso encerro minha carta. Espero revê-los em breve.
    Minha esposa e eu saudamos vocês. Transmitem saudações ao senhor prefeito, a toda a diretoria, a todos os bons amigos da minha esposa e suas irmãs, seus irmãos e os filhos deles, aos nossos padrinhos e nossas madrinhas e todos os demais bons amigos.

Johannes Schmidtt De Gedern

Fonte: Anuário Evangélico, ano 1996, pág. 88 – 89

Crédito da imagem: http://www.familia.dienstmann.com.br/index.php?conteudo=imigracao