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quarta-feira, 1 de maio de 2013

Cortesia


Um colonial, no contexto da propriedade, plantou diversas sementes de abacate.
Os abacateiros, como plantas de clima equatorial, ganhavam abrigo nas encostas e morros. As geadas, no sabor do inverno, careciam de fazer os danosos efeitos (tão comuns nas baixadas na proporção dos avanços das frentes frias nas zonas subtropicais).
O morador, depois de uma aproximada década de espera, conheceu a produção de graúdos e majestosos frutos. Uma saborosa maravilha para o consumo familiar e animal. Um excepcional atrativo a esfomeada fauna!
O plantador, em meio à massiva produção, tratou de ofertar exemplares como gentilezas (aos amigos e vizinhos). As frutas, com tamanha qualidade e quantidade, apodreciam (ainda assim no interior da roça). Um tremendo desperdício, no entender colonial, em meio a muita gente carente do artigo nos espaços urbanos.
O cidadão, na sua ida a sede distrital, resolveu aproveitar a oportunidade. Ele pensou em experimentar a comercialização dos abacates. Este procurou apanhar uma porção das mais bonitas e graúdas. As unidades foram colocados num saco e carregados até o leiteiro (o outrora tradicional caroneiro das colônias).  
O produtor, achegando-se na aglomeração, passou a ofertar o produto. Este, a título dos encargos, quis cobrar um simbólico valor monetário. O pessoal, de várias maneiras, tratou de esquivar-se de dispêndios. A compra desinteressava-lhes como artigo de primeira necessidade.
O peso de carregar, numa altura para cá e para lá, levaram-no a despejar a mercadoria (na beira da estrada). Curiosos e gurizada, de imediato, trataram de apanhar as unidades. O pessoal, na prática, queria as frutas de cortesia, porém nada de maiores gastos financeiros.
O morador, como inúmeros habitantes rurais, então preferiu deixar apodrecer as toneladas de frutas (tão comuns em períodos de safra). O trabalho de produzir, apanhar e levar para comercializar acabara não valendo a pena.
Abrir praça em época da safra significa investimento em tempo e transporte. O lucro da produção, para quem vende, costuma ser minguado; o custo para quem compra se mostra oneroso (em função dos encargos). Certos exemplos e experiências revelam-se uma escola prática da vida.
                                                                   
  Guido Lang
                                                    “Singelas Histórias do Cotidiano das Colônias”

Crédito da imagem: http://rmtonline.globo.com

O descaso do cercado


Uma família, durante gerações, mantinha-se como tradicional criadora de gado. Alguma produção de leite, como fonte de renda familiar, auxiliava nas despesas e manutenção.
Os animais, em síntese, ganhavam o mero potreiro. Algum complemento de trato, em forma de foragem e ração, era uma espécie de mimo. Os bichos, de maneira geral, viam-se pouco produtivos e raquíticos.
O desleixo principal relacionava-se aos cercados. Ela, como vizinhança, era “um pé no saco”. Os membros esqueciam-se das obrigações e cobravam-nos dos alheios. Os vizinhos, de ambos os lados (do campo natural), viam-se volta e meia em aborrecimentos e preocupações (com o bicharedo solto).
O arame farpado e cercas de pedra não conseguiam parar e segurar os esfomeados animais. Eles, a semelhança de cachorros, pulavam as barreiras. A invasão de pastagens, como roças (com melhor trato), via-se uma situação corriqueira. Os próximos, para não se importunar, procuravam alevantar e reforçar fios e pedras.
A inovação maior adveio com a implantação do choque elétrico. Este, num primeiro momento, levou o susto e temor, porém viu-se desafiado e transgredido pelos ousados animais. A situação, durante anos, arrastou-se nestes termos de vizinhança. A fama de péssimos parceiros, há décadas, tinha-se difundido pelo lugarejo.
Um ancião, como vizinho, comercializou suas divisas. A velhice levou ao abandono do campo e a instalação na cidade. Ele, da agricultura familiar de subsistência, queria um descanso e folga nos seus dias finais. Este, num combinado com os familiares, vendeu somente parte da propriedade.
Esta parte incluía justamente o potreiro. Uns eventuais compradores, conhecedores da péssima vizinhança, desinteressaram-se pela aquisição. Outros eventuais interessados careciam do patrimônio monetário.
Um filho da terra, migrante campo-cidade, comprou o espaço como chácara. Este, num primeiro ato, deixou de investir em criações. As cercas ficaram ao deus dará e o gado cedo podia passear solto pela área. Ele, como vizinho, procurou nem implicar com a realidade (na proporção do bicharedo não danificar sua plantação de eucalipto).
Os bichos, com as precárias barreiras, ficaram cada vez mais atrevidos e ousados. Estes, em poucas semanas, passaram a invadir lavouras e roças. Uma espécie de cobranças generalizadas sucedia-se por parte dos coloniais.
O plantador, pelos donos dos animais, foi cobrado de fazer cerca. Este, num tom curto e direto, disse: “- Quem quer criar bicho! Que instale e cuide dos cercados!” Algum filho, com vasta experiência em reparos, poderia fazê-lo. Alguns meses transcorreram de inércia e constantes invasões bovinas.
A família obrigou-se a amarrar as vacas. Esta, num piscar de olhos, mantinha umas vinte cabeças amarradas pelo pátio. Ao primeiro cochilo soltavam-se e saiam a passear na terra alheia. Estes, com a boa alimentação, andavam cada vez mais distantes e tornava-se praticamente impossível reavê-los na calada do dia.
Uma e outra cabeça andava distância de quilômetros. Como reavê-la (na proporção de ser xucro)? A vizinhança, a todo instante, advinha refazer queixas e reclamações. As histórias de lavouras danificadas não faltavam. A situação encaminhava-se para um caso de policial. A família deparou-se num dilema: fazer e refazer cercas ou deixar de ter tambo. A façanha foi de finalmente fazer sua obrigação e não esperar a caridade alheia!
A moral relaciona-se a mudança de postura (na proporção dos males). O relacionamento com um é daquele jeito e outro é diverso. Quê funciona com uns, não funciona necessariamente com outros. A vizinhança, para chegar a bons termos, precisa estabelecer amizade e parcerias. A inimizade, nas relações, ostenta-se a pior escolha. Alguém, para o descaso e desleixo, cedo encontra algum amargo remédio.
As vacas não respeitam as cercas e sim os pastos! Os bichos, uma vez saídos, cedo aprendem o hábito. Quaisquer atividade exigem investimentos e não tem como escorar-se nos favores alheios.  


Guido Lang
“Singelas Histórias do Cotidiano Colonial"

                                                  Crédito da imagem: http://www.santaclaramadeiras.com.br/